sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

23 O INSPETOR CATURRA, A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte

 O INSPETOR CATURRA

Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 54 a 55
     Hoje o Umari é uma cidade. Naqueles tempos era apenas uma vila. A pequena loja de Rai- mundo Dias era de ta- manho suficiente para ne- la eu fazer um bom cur- so sem mestre na arte de vender e nas técnicas de gerência. Nos quase cinco anos em que permaneci à frente daquele comércio, tive que responder não somente pelas vendas, mas também pelos serviços de contabilidade, incluindo o recolhimento de impostos, o de Vendas e Consignações, pago à base de um percentual sobre o faturamento da casa. Todo esse trabalho era feito à mão e o fechamento da escrita, obviamente, era uma espécie de "conta de chegar", pois a firma não tinha escrita ordenada.
Sozinho, com tamanha responsabilidade sobre os ombros, eu insistia junto a meu patrão que me visitasse com frequência e verificasse como andavam os seus interesses no Umari. Raimundo Dias se dava por satisfeito com apenas a visita anual para o balanço. Graças a Deus, a filial prosperava e aos poucos eu via caírem os "segredos" ou as peculiaridades da vida de comércio. Ganhando traquejo, crescia-me a autoconfiança e o desejo de progredir.
   0 meu teste de resistência deu-se no final do ano de 1944, quando tive de enfrentar uma fera chamada Verimundo, o no- vo coletor de impostos do Bai- xio. Quinzenalmente, eu tinha que ir a cavalo à sede do município, para quitar-me com as obrigações fiscais, e desde logo conheci a fama daquele inspetor do Erário, notório como o "terror da região", por isso rebatizado como Viramundo. A perseguição que se levantou contra os pobres bodegueiros sem inscrição comercial, principalmente os da zona rural, faziam-me estremecer quando, fechando os olhos, eu me imaginava enfrentando o monstro, tendo talvez de alimentá-lo com dinheiro que não era meu.
Vou fazer o que sempre fiz - decidi afinal. - Se estiver errado, pagarei caro mas terei um professor que me ensine uma vez por todas o que tenho de aprender.
Chegado o prazo para a entrega do balanço, fiz o fechamento da escrita, juntei os livros e segui para ser sacrificado.
Aqui estão os documentos da filial de Raimundo Dias no Umari.
0 homem, sentado como estava, mal levantou a vista, olhando-me por entre o rigor das sobrancelhas:
Deixe aí e passe depois.
Passei depois, ainda mais apreensivo. 0 inspetor caturra olhou toda a documentação, folheou uma vez, duas, virou as páginas dos livros, teimando em catar picuinhas. Silêncio. Afinal, olhou para mim que, em pé à sua frente, esperava a sentença de morte:
Quem foi que preparou esses documentos?
Eu mesmo.
Rapaz, em um ano, desde que estou nessa coletoria, este é o primeiro balanço que recebo sem ter nada a corrigir. As suas contas estão aprovadas.
Era aquele o meu exame de admissão à vida de comerciante.
 

Para adquirir a recém lançada 3ª edição envie um e-mail para claudiomar.rolim@uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário