sábado, 23 de março de 2013

25 OS CAMINHOS DA VIDA


OS CAMINHOS DA VIDA
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 58 a 60


Foi por causa do comércio que deixei o Melão. Mas o mundo que eu conhecia até então não girava além de um circuito que ia do Umari ao Baixio, ou Ipaumirim e Cajazeiras.
Com a aquisição da filial de Raimundo Dias fui levado a alargar os horizontes de meus caminhos pelo mundo. Rapidamente, com as boas vendas, restava-nos apenas um pé-de-loja, cujo estoque precisava ser renovado. Mas, ao contrário dos lojistas locais, eu não me contentei em abastecer-me à porta de casa com os caixeiros-viajantes.
- Vou fazer compras em Campina Grande - disse ao meu sócio.
0 que equivalia a dizer: "Vou para muito longe, a caminho do desconhecido". Campina Grande ficava a léguas e léguas, só alcançável em precários caminhões rompendo poeira e dando catabis por dias e noites de cansaço.
Fui compensado no esforço. Comerciante de pequenas proporções numa vilazinha mínima, eu ganhei conhecimento no meio de um centro comercial dos mais destacados do Nordeste. Já na minha primeira viagem, verifiquei o quanto tinham sido caros os preços que tínhamos pago a Raimundo Dias na compra da loja. Pior que isso e algo inimaginável nos dias de hoje - deparei-me com uma baixa assombrosa dos preços de tecidos, o que nos deixaria num beco sem saída, se não tomássemos providências urgentes.
Comprei o máximo que pude pelos baixos preços da praça de Campina Grande. Voltando ao Umari, chamei o meu sócio e lhe fiz ver a situação que nos aguardava. De comum acordo, combinamos convocar o coronel José Maria Ribeiro e Antônio Bigi para uma sociedade na compra de algodão. Sem demora teríamos que vender tecido fiado aos agricultores de melhor produção para recebermos depois os valores em algodão. Ao mesmo tempo, por uma questão de lealdade, procurei o único lojista de tecidos do vilarejo, nosso colega Domingos Ferreira - colega e não concorrente, pois muito nos considerávamos - e lhe passei as informações sobre a baixa de preços em Campina Grande. A resposta dele foi que não poderia vender a sua mercadoria abaixo do custo. Estava certo ele e estava certo o nosso plano. A onda baixista quase não atingiu a nossa praça e o resultado foi que, mesmo ganhando fama de barateiro, chegamos ao fim do ano com um faturamento igual aos dos quatro anos anteriores juntos.
Ganhamos dinheiro e ganhamos experiência na exploração de outro ramo básico de negócios em nossa terra: o algodão. Aos poucos, a SANBRA, de Sousa, na Paraíba, ia tomando conhecimento deste pequeno abastecedor que, nos pátios da firma, fazia tombar as suas primeiras arrobas do produto, e aí também ganhava nome e crédito para receber adiantamentos em dinheiro para futuras carradas. Aumentávamos o nosso capital de giro e expandíamos os negócios. No balanço de 1948, a lojinha do Umari nos dava um lucro líquido de 46 contos, quantia apreciável à época. Levando à frente nosso interesse em prosperar, incluímos na sociedade o irmão de Renato, Majestoso Gondim, dono de uma mercearia bem sortida. Trouxemos a mercearia para dentro da loja e a transformamos numa grande miscelânea.
Sem procurarmos por isso, do dia para a noite quase toda a população do Umari se fazia freguesa de nossa casa.



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quinta-feira, 7 de março de 2013

24 ROLIM & GONDIM

ROLIM & GONDIM
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 56 a 58

Olha aí a Guerra!
A Guerra é um bicho que bota pólvora pelas fuças, de ronco e estrondo horroroso, a besta-fera em pessoa, engolindo gente sem mastigar.
A meninada tremia quando falavam de guerra. As mulheres desfiavam rezas. Que São Sebastião nos livre da peste, da fome e da guerra.
Mas - sorte nossa! - a Guerra acontecia no outro lado do mundo. Para nós, quando muito, ela vinha associada a uma onda de gripe ou uma epidemia de febre inexplicável:
Isso é a fumaça da Guerra.
Vivendo naqueles cafundós, quase nulo é o meu depoimento sobre o fim da segunda conflagração mundial, bem como sobre a deposição de Getúlio Vargas. Lembro da disputa eleitoral entre o General Eurico Gaspar Dutra e o Brigadeiro Eduardo Gomes, também figuras distantes para nós, que eram traduzidas pela força e influência de coronéis que, afinal, apenas se utilizavam dos títulos eleitorais dos pobres habitantes da região para jogarem nas umas, algumas já previamente viciadas, as cédulas impressas com os nomes que sua vontade impusesse.
Foi então que votei pela primeira vez: em Eduardo Gomes... Quer dizer, no coronel José Maria Ribeiro, opositor do coronel José Leite Ribeiro, partidário do candidato oficial.
De Dutra, já presidente, cedo se fixou entre nós a efígie gravada na moeda de 50 centavos, ou 500 réis, como ainda continuávamos dizendo. A cara dura, a cabeça sem pescoço do general nem de longe sugeriam que, anos depois, eu iria, como administrador da coisa pública, deparar-me com outros militares de cenho ainda mais carregado e cabeça inflexível.
Daqueles anos, o que me afetou de perto foi a chamada "Queda Pecuária", no começo do Governo Dutra.
Até 1947, o rebanho de nossa região merecia as melhores atenções governamentais, com linhas de crédito oficial para o seu fomento. Ser dono de gado era ter a certeza da conversão em dinheiro, a qualquer momento, de um patrimônio já prestigioso. Quando esse negócio estava no auge, Raimundo Dias me procurou para oferecer-me a loja em venda. Eu lhe respondi que a proposta era um grande estímulo para um rapaz que, na verdade, pretendia ensaiar no futuro os seus próprios passos na vida do comércio. Apenas me faltava ainda o capital para corresponder-lhe à oferta.
- Gado, Chico.
Eu tinha no Melão, no curral da família, e numa rocinha do Umari, um gadinho pouco, trinta reses magras, número insuficiente para trocar por uma loja de tecidos.
- Arranje um sócio com algum dinheiro, Chico.
Veio-me à lembrança procurar o meu amigo
Renato Gondim, grande proprietário local. Ele se mostrou interessado pelo negócio, mas não dispunha de dinheiro à mão para aceitar a sociedade.
Mas fique tranquilo, nós vamos falar com Lucas Daniel e eu lhe tomarei dinheiro emprestado. Depois eu pago a ele em algodão.
Lucas Daniel, uma das pessoas de maior lastro financeiro, prontificou-se a arranjar o capital que precisávamos. Vendi, então, por quinze mil cruzeiros, ou quinze contos, todas as cabeças de gado que tinha e tratamos de formar a sociedade Francisco Rolim & Gondim.
Nesse ponto, deu-se o fechamento de todo o crédito pecuário pelo Governo Federal. A "Queda Pecuária" veio desfazer de supetão o melhor de nossos planos. Lucas Daniel nos informou ser impossível cumprir o que prometera, pois o que tinha de disponível encontrava-se em mãos do industrial Francisco Antunes, em Antenor Navarro, o qual, por sua vez, alegava não poder pagar-lhe uma grande partida de algodão, pela retração do crédito bancário.
Vi-me obrigado a bater à porta de pessoas amigas para socorrer o meu sócio Renato Gondim. 0 meu cunhado Antônio Bigi me emprestou dez contos e outro tanto tomamos por empréstimo ao coronel José Maria Ribeiro.
Com isso, fizemos o pagamento da loja ao velho Raimundo Dias e iniciamos as nossas atividades.
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